Segundo fragmento.
Suspirou
lenta e profundamente, fazendo-lhe sentir o peso da sua cabeça. Olhar franzido,
a força da luz lhe indicou: fechar a cortina. A dor era daquelas que suplicava
parar. “Não sei... viver pede”.
As
sandálias sujas de areia eram as testemunhas da desordem do quarto. No chão, a
bermuda do dia anterior. A cadeira, enquanto cabide, amparava a camisa dos
cheiros, misto de perfume, maresia e cigarro. Ao canto, sobre a mesa do
computador, jarra e copo denunciavam a noite.
Atravessou
o cômodo rapidamente. Urgia aliviar o estado em que se encontrava.
O banho foi
demorado.
A água
quente sobre a cabeça atenuava os efeitos da ressaca. Com os olhos fechados, a
visão era dos pensamentos, autônomos após horas de vodca, licor e cerveja,
muita cerveja.
A liberdade
do delírio aprisiona.
O mergulho no
mar, iluminado pela grandiosidade da lua, era o início da cena infinda. O peso
do corpo. A vista disforme. Vultos inidentificáveis na imensidão do oceano. Segundos
de contemplação. Um breve suspiro e, sim, a leveza, ao se entregar às aguas.
Prazer.
Abruptamente,
repentina onda, logo após o primeiro levantar, impulsiona-lhe ao fundo. Cego
pela escuridão, olhos apenas ardentes, sente tão só girar, girar, girar, a si e
à terra. Quando o desespero lhe absorve, as pálpebras se abrem. Retorna.
Sente outra
vez o acalanto do chuveiro. O olhar, ainda que pesado, indica a existência. Do
outro lado do embaçado box, avista a
prateleira com seus livros, indecifráveis no momento. Insiste em discernir
Kafka de Bukowski. Perde-se na brincadeira. A água alivia.
Não demora
muito e o ciclo se reinicia, aprisionando-lhe outra vez. O mergulho no mar...
Assim permanece por longos minutos, intercalando entre instantes de autonomia e
prolongados encarceramentos, próprios da liberdade proporcionada pelo álcool.
Finalmente
termina. Enxuga-se. A cabeça ainda dói. Olha o relógio. Rapidamente veste a
primeira roupa que vê à sua frente. Sai, enfim. Esquece a dor.